quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Miguel Esteves Cardoso: Como ouvir música?



"É triste, mas é verdade: quando quero ouvir uma música, o mais das vezes vou ao YouTube.
É mais triste quando a canção já foi o lado A de um single que comprei em vinil, que me levou a comprar o álbum inteiro em vinil (a canção do single voltava novinha, sem riscos) e, mais tarde, em CD. Levando-me a comprá-la em (menos) horrendo MP3, por 99 cêntimos, se acaso a ilusão e o desejo de tê-la sobreviviam.

Mas também é triste quando quero ouvir uma canção que nunca ouvi, elogiada no NME que acabei de ler: a falta de qualidade acústica é tão gigantesca que parece um barbarismo sequer mencionar o substantivo "qualidade". "Má qualidade" é pouco para descrever a merda acústica que se ouve.

Uma canção no YouTube ouvido no iPhone é como ouvir um concerto em Marte não só no planeta Terra como debaixo de água, transformado em borbulhas.
Agora ouço a música nem sequer como maquetes (em cassetes), que retinham alguma raça do que se tinha gravado e se queria gravar, mas com uma compressão que anula a presença dos instrumentos e da voz.
Tendo sorte na vida, já ouvi música como deve ser ouvida, no estúdio onde foi gravada. Mal sabia eu que os monitores nos estúdios de gravação (que davam a ouvir como soariam na rádio) seriam o primeiro exemplo de transigência.
Hoje não sei como ouvir música. Leio as revistas audiófilas e, como não sou rico, fico na mesma. O meu velho sistema do século XX (Nakamichi/JBL) faliu há muito tempo.
Que hei-de eu fazer? "
Miguel Esteves Cardoso, no jornal "Público" de 10 de Fevereiro de 2013

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